segunda-feira, 20 de abril de 2009

Estão nos mentindo sobre os piratas!


Quem imaginaria que em 2009, os governos do mundo declarariam uma nova
Guerra aos Piratas? No instante em que você lê esse artigo, a Marinha
Real Inglesa – e navios de mais 12 nações, dos EUA à China – navega
rumo aos mares da Somália, para capturar homens que ainda vemos como
vilãos de pantomima, com papagaio no ombro. Mais algumas horas e
estarão bombardeando navios e, em seguida, perseguirão os piratas em
terra, na terra de um dos países mais miseráveis do planeta. Por trás
dessa estranha história de fantasia, há um escândalo muito real e
jamais contado. Os miseráveis que os governos 'ocidentais' estão
rotulando como "uma das maiores ameaças de nosso tempo" têm uma
história extraordinária a contar – e, se não têm toda a razão, têm
pelo menos muita razão..
Os piratas jamais foram exatamente o que pensamos que fossem. Na "era
de ouro dos piratas" – de 1650 a 1730 – o governo britânico criou,
como recurso de propaganda, a imagem do pirata selvagem, sem
propósito, o Barba Azul que ainda sobrevive. Muita gente sempre soube
disso e muitos sempre suspeitaram da farsa: afinal, os piratas foram
muitas vezes salvos das galés, nos braços de multidões que os
defendiam e apoiavam. Por quê? O que os pobres sabiam, que nunca
soubemos? O que viam, que nós não vemos? Em seu livro Villains Of All
Nations, o historiador Marcus Rediker começa a revelar segredos muito
interessantes.
Se você fosse mercador ou marinheiro empregado nos navios mercantes
naqueles dias – se vivesse nas docas do East End de Londres, se fosse
jovem e vivesse faminto –, você fatalmente acabaria embarcado num
inferno flutuante, de grandes velas. Teria de trabalhar sem descanso,
sempre faminto e sem dormir. E, se se rebelasse, lá estavam o
todo-poderoso comandante e seu chicote [ing. the Cat O' Nine Tails,
lit. "o Gato de nove rabos"]. Se você insistisse, era a prancha e os
tubarões. E ao final de meses ou anos dessa vida, seu salário quase
sempre lhe era roubado.
Os piratas foram os primeiros que se rebelaram contra esse mundo.
Amotinavam-se nos navios e acabaram por criar um modo diferente de
trabalhar nos mares do mundo. Com os motins, conseguiam apropriar-se
dos navios; depois, os piratas elegiam seus capitães e comandantes, e
todas as decisões eram tomadas coletivamente; e aboliram a tortura. Os
butins eram partilhados entre todos, solução que, nas palavras de
Rediker, foi "um dos planos mais igualitários para distribuição de
recursos que havia em todo o mundo, no século 18 ".
Acolhiam a bordo, como iguais, muitos escravos africanos foragidos. Os
piratas mostraram "muito claramente – e muito subversivamente – que os
navios não precisavam ser comandados com opressão e brutalidade, como
fazia a Marinha Real Inglesa." Por isso eram vistos como heróis
românticos, embora sempre fossem ladrões improdutivos.
As palavras de um pirata cuja voz perde-se no tempo, um jovem inglês
chamado William Scott, volta a ecoar hoje, nessa pirataria new age que
está em todas as televisões e jornais do planeta. Pouco antes de ser
enforcado em Charleston, Carolina do Sul, Scott disse: "O que fiz, fiz
para não morrer. Não encontrei outra saída, além da pirataria, para
sobreviver".
O governo da Somália entrou em colapso em 1991. Nove milhões de
somalis passam fome desde então. E todos e tudo o que há de pior no
mundo ocidental rapidamente viu, nessa desgraça, a oportunidade para
assaltar o país e roubar de lá o que houvesse. Ao mesmo tempo, viram
nos mares e praias da Somália o local ideal onde jogar todo o lixo
nuclear do planeta.
Exatamente isso: lixo atômico. Nem bem o governo desfez-se (e os ricos
partiram), começaram a aparecer misteriosos navios europeus no litoral
da Somália, que jogavam ao mar contêineres e barris enormes.. A
população litorânea começou a adoecer. No começo, erupções de pele,
náuseas e bebês malformados. Então, com o tsunami de 2005, centenas de
barris enferrujados e com vazamentos apareceram em diferentes pontos
do litoral. Muita gente apresentou sintomas de contaminação por
radiação e houve 300 mortes.
Quem conta é Ahmedou Ould-Abdallah, enviado da ONU à Somália: "Alguém
está jogando lixo atômico no litoral da Somália. E chumbo e metais
pesados, cádmio, mercúrio, encontram-se praticamente todos”. Parte do
que se pode rastrear leva diretamente a hospitais e indústrias
européias que, ao que tudo indica, entrega os resíduos tóxicos à
Máfia, que se encarrega de "descarregá-los" e cobra barato. Quando
perguntei a Ould-Abdallah o que os governos europeus estariam fazendo
para combater esse “negócio”, ele suspirou: "Nada. Não há nem
descontaminação, nem compensação, nem prevenção."
Ao mesmo tempo, outros navios europeus vivem de pilhar os mares da
Somália, atacando uma de suas principais riquezas: pescado. A Europa
já destruiu seus estoques naturais de pescado pela super-exploração –
e, agora, está super-explorando os mares da Somália. A cada ano, saem
de lá mais de 300 milhões de atum, camarão e lagosta; são roubados
anualmente, por pesqueiros ilegais. Os pescadores locais tradicionais
passam fome.
Mohammed Hussein, pescador que vive em Marka, cidade a 100 quilômetros
ao sul de Mogadishu, declarou à Agência Reuters: "Se nada for feito,
acabarão com todo o pescado de todo o litoral da Somália."
Esse é o contexto do qual nasceram os "piratas" somalis. São
pescadores somalis, que capturam barcos, como tentativa de assustar e
dissuadir os grandes pesqueiros; ou, pelo menos, como meio de extrair
deles alguma espécie de compensação.
Os somalis chamam-se "Guarda Costeira Voluntária da Somália". A
maioria dos somalis os conhecem sob essa designação. [ Ler matéria
importante sobre isso aqui, em:"The Armada is not a solution"].
Pesquisa divulgada pelo site somali independente WardheerNews informa
que 70% dos somalis "aprovam firmemente a pirataria como forma de
defesa nacional".
Claro que nada justifica a prática de fazer reféns. Claro, também, que
há gangsters misturados nessa luta – por exemplo, os que assaltaram os
carregamentos de comida do World Food Programme. Mas em entrevista por
telefone, um dos líderes dos piratas, Sugule Ali disse: "Não somos
bandidos do mar. Bandidos do mar são os pesqueiros clandestinos que
saqueiam nosso peixe”. William Scott entenderia perfeitamente.
Por que os europeus supõem que os somalis deveriam deixar-se matar de
fome passivamente pelas praias, afogados no lixo tóxico europeu, e
assistir passivamente os pesqueiros europeus (dentre outros) que
pescam o peixe que, depois, os europeus comem elegantemente nos
restaurantes de Londres, Paris ou Roma? A Europa nada fez, por muito
tempo. Mas quando alguns pescadores reagiram e intrometeram-se no
caminho pelo qual passa 20% do petróleo do mundo... Imediatamente a
Europa despachou para lá os seus navios de guerra.
A história da guerra contra a pirataria em 2009 está muito mais
claramente narrada por outro pirata, que viveu e morreu no século 4º
AC. Foi preso e levado à presença de Alexandre, o Grande, que lhe
perguntou "o que pretendia, fazendo-se de senhor dos mares." O pirata
riu e respondeu: "O mesmo que você, fazendo-se de senhor das terras;
mas, porque meu navio é pequeno, sou chamado de ladrão; e você, que
comanda uma grande frota, é chamado de imperador." Hoje, outra vez, a
grande frota europeia lança-se ao mar, rumo à Somália – mas... quem é
o ladrão?

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